sábado, 18 de fevereiro de 2012

Cuidar da saúde... de todos

Entrevista
publicada na edição nº 423, fevereiro de 2012.
Cuidar da saúde... de todos

Jane Maria Reos Wolff
Saúde é água, saúde é vida. A saúde, como a vida, não pode ser tratada como uma mercadoria, que se compra e vende. Saúde exige humanidade: a pessoa que procura e necessita do serviço público em saúde precisa ser tratada como gente, com respeito e dignidade.
Mas como cuidar da saúde de todos num país tão grande? São questões e afirmações que precisamos colocar neste ano em que a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil propõe “Que a saúde se difunda sobre a Terra” como lema da Campanha da Fraternidade.


Jane Maria Reos Wolff,
médica, atuante na defesa da saúde pública e comunitária em Porto Alegre, RS.
Endereço eletrônico: jmrwolff@gmail.com



Mundo Jovem: O que é saúde pública?
Jane Maria Reos Wolff: Tenho uma amiga que conta uma história bem legal para compreender o que é saúde pública. O médico, tratando a pessoa individualmente, mantém com ela uma relação mais individual, mas quando ele é responsável por uma população, está trabalhando a saúde pública. Isso pode ser comparado com alguém que cuida de uma árvore, individualmente, ou cuida de toda a floresta, que seria a saúde pública. Essa analogia é interessante para dar uma ideia de cuidado que tem a saúde pública. E hoje, no Brasil, saúde pública é sinônimo de SUS.

Mundo Jovem: E de onde veio o SUS?
Jane Maria Reos Wolff: O Sistema Único de Saúde não apareceu magicamente. O SUS é uma construção de vários movimentos que foram chegando a diversos tipos de assistência à saúde, para que se pudesse oferecer à população um sistema de saúde competente, eficaz, para todos. Começou com os institutos, que eram uma assistência à saúde vinculada a categorias de trabalhadores que tinham vínculo empregatício. Havia a carteira Apetec, para os técnicos; o Iapi, para os industriários; o IAPC, para os comerciários etc. Depois então foi criado o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), que também tinha a carteirinha de associado. Depois se transformou no Inamps, que atendia as pessoas que tivessem carteira de trabalho assinada.

Então começou todo um movimento da reforma sanitária, por um grupo de trabalhadores articulados com a população, preocupados em construir um sistema de saúde que desse conta de todos, não apenas daqueles que tinham a carteira assinada. Quem não tinha emprego formal devia recorrer às Santas Casas de Misericórdia. Então se chegou ao movimento, em estágios, de ações integradas de saúde. Com a Constituição de 1988, foi então promulgado o SUS, universal: a saúde como um direito para todos, não apenas para alguns.

Mundo Jovem: Como o SUS está organizado hoje?
Jane Maria Reos Wolff: O Brasil, um país continental, teve muitas dificuldades para implementar esse sistema único, que é copiado e discutido em várias partes do mundo. O SUS, hoje, está organizado nas Unidades Básicas de Saúde (UBS), com a Estratégia de Saúde da Família (ESF), que são unidades com médicos(as) de família, que atendem a criança, o adulto, o adolescente, o idoso, a gestante. É composto também pelo(a) enfermeiro(a) especializado(a) em saúde pública; técnicos(as) de enfermagem e agentes comunitários(as), que são essenciais a esse sistema. São aqueles(as) que se articulam e trazem para dentro da unidade de saúde as necessidades e os problemas de saúde da comunidade. A partir desses dados ocorrem debates e discussões, e há uma construção constante de acordo com as carências em saúde daquela comunidade. E, a partir disso, o sistema é organizado de uma forma hierárquica. O primeiro contato que a população tem com o sistema de saúde são essas unidades básicas ou Estratégias de Saúde da Família.

Num segundo momento, a partir da avaliação do profissional que recebe a população e vê a necessidade de consultas especializadas, as pessoas são remetidas para o nível secundário de atenção. Se necessitarem atenção mais especializada ainda, vão para o nível terciário. Então esse sistema é hierarquizado conforme a complexidade. Sabemos que a Estratégia de Saúde da Família dá conta de 80 a 90% das necessidades em saúde da população. Por isso essas unidades são tão numerosas e necessárias. São a porta de entrada para o sistema.

Mundo Jovem: Pensando em saúde para todos, qual é o papel da população no cuidado com a saúde?
Jane Maria Reos Wolff: É importante levar em conta alguns aspectos, como a alimentação, que é essencial à nutrição, é essencial para a nossa saúde. Como isso se dá? O alimento é desdobrado no nosso sistema digestivo e vai se transformar em energia no nosso corpo e na nossa vida. E aí, dependendo do tipo de coisas que comemos, vamos oferecer para o organismo alimentos de boa qualidade ou não. E dentro dessa discussão colocamos uma reflexão a respeito dos alimentos orgânicos, que são alimentos livres de agrotóxicos e que, por isso, trazem a sua essência preservada. Vemos que nesses alimentos os sais minerais estão em maior quantidade, há mais diversidade de vitaminas... O alimento orgânico é um alimento vivo.

Nesse momento, temos que pensar na qualidade do alimento que queremos colocar na nossa mesa: alimentos integrais, livres de gorduras, alimentos que vão melhorar o nosso colesterol, que vão poupar as nossas artérias, o nosso coração, o nosso cérebro... É importante também levar em conta que devemos evitar os alimentos brancos (a farinha branca, o arroz branco, o açúcar e o sal refinados), que são prejudiciais à saúde, porque hoje temos uma quantidade muito grande de alimentos com essa composição. Então é importante pensar que tipo de alimento estamos colocando para dentro do nosso corpo, para que produza saúde.

Mundo Jovem: Que outras questões devemos levar em conta para termos uma vida saudável?
Jane Maria Reos Wolff: Devemos ter a responsabilidade com as atitudes que vão trazer para nós uma qualidade de vida melhor. A atividade física é fundamental. E não precisamos ir lá para a academia malhar. Podemos caminhar ao ar livre, próximo ao local onde moramos, onde trabalhamos. Uns 30 minutos e ir acrescentando 10 minutos a cada semana, até chegar em uma hora, três vezes por semana. Na caminhada, olhamos o ambiente e estamos nos cuidando. Esse é um momento muito importante, porque envolve cuidado e alguma distração. Melhora a saúde física, porque trabalhamos a musculatura e as articulações, melhoramos as atividades cardíaca e respiratória. A circulação melhora nosso corpo. Estaremos fazendo um bem para nós mesmos modificando a atividade. Em vez de ficarmos sentados o tempo todo na frente da televisão, vamos caminhar, correr... Mas quem prefere esportes ou mesmo a academia, fique à vontade: o importante é fazer atividade física.

Outra atitude, que não pensamos muito como cuidado de saúde, é o uso do cinto de segurança, que pode prevenir acidentes graves e poupar nossa vida. Também há o hábito de fumar, que é uma tragédia para o nosso corpo, para o pulmão, para o coração, para o cérebro... Temos conhecimento de que o cigarro potencializa as questões relacionadas ao câncer de mama, ao câncer de pulmão. Então precisamos estar atentos a essas atitudes de preservação e de prevenção relativas à nossa saúde.

Mundo Jovem: E as doenças, quais delas devem nos preocupar mais?
Jane Maria Reos Wolff: A hipertensão, a diabete e o câncer são as doenças mais comuns da atualidade. Por quê? Porque essas doenças são crônicas e degenerativas, estão intimamente relacionadas com o estilo de vida. Protegeremos o nosso corpo dessas doenças ao cuidarmos de nós mesmos, ao fazermos atividade física, ao alimentar-nos adequadamente com alimentos orgânicos e integrais, com frutas e verduras.

Quando já temos esses problemas, precisamos buscar um tratamento, porém não podemos colocar na mão do enfermeiro, na mão do médico, na mão do profissional da saúde toda a responsabilidade pela nossa cura. Os médicos podem buscar o que de mais atual existe na literatura científica para tratar a diabete, a hipertensão, a angina, a insuficiência cardíaca... Mas se o paciente não fizer a sua parte, de cuidar da alimentação, fazer atividade física, parar de fumar, o trabalho dos médicos é ínfimo, corresponde de 2 a 3% dos benefícios que o paciente pode colher, a partir do momento em que ele assume a responsabilidade pela sua saúde. Isso é muito importante de levar em conta quando pensamos sobre saúde.

Promover a saúde e o SUS

A Campanha da Fraternidade 2012 surge dentro de uma perspectiva histórica de comprometimento da Igreja com a questão da saúde e, particularmente neste ano, com a saúde pública, sobretudo o SUS, em termos de avaliação e de apoio para que esse sistema se implante efetivamente.

Um dos objetivos principais é reforçar esse patrimônio da sociedade brasileira que é o SUS. Porque é um sistema universal, que é para todos, e ele concretiza aquilo que está na Constituição Brasileira, de que a saúde é um dever do Estado e um direito de todos os cidadãos.

A Campanha da Fraternidade vai focar o tema da saúde pública porque infelizmente o SUS ainda não se realizou de forma plena. Nós temos problemas na área da gestão dos recursos, tanto no ponto de vista de onde se gasta o dinheiro, que é dinheiro público, e sobretudo ainda há questões de dinheiro que é desviado. Existe a famosa corrupção. Mas também há um descompasso entre a quantidade de serviços oferecidos e a população. Houve um crescimento da população, e os serviços de saúde não cresceram na mesma proporção. Em algumas áreas, inclusive, esses atendimentos diminuíram. E ainda há a necessidade de que especialmente os gestores municipais se comprometam efetivamente para implantar o serviço, como é sua responsabilidade.

O lema da Campanha da Fraternidade é muito oportuno porque, baseado no livro do Eclesiástico, clama que a saúde se difunda sobre a Terra. Quer dizer, sabemos que fazer saúde e promover saúde não são simplesmente tratar o doente. É, talvez, mais ainda, prevenir as doenças. Daí a importância das igrejas, das comunidades, de todas as pastorais se envolverem nessa campanha para que ela de fato seja promotora de saúde, para que a população tenha acesso à saúde quando precisa, e sobretudo para que possa ter uma vida saudável.

José Bernardi,
frei capuchinho, Secretário Executivo da Pastoral da Aids.

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