Anna Veronica Mautner
Discernir o que se aprende em casa e o que se aprende na escola e nos espaços públicos pode parecer muito fácil, mas não é não.
Em casa, a gente aprende a comer direito, olhando as outras pessoas da família comerem. Antigamente, aprendia-se a declinar – você, senhor, senhora – em casa; hoje, não sou capaz de dizer. É função familiar ensinar a escolher qual roupa se deve usar em cada lugar e ocasião. Há não muito tempo, quando as escolas ainda tinham uniformes, a gente tinha roupa de sair, roupa de casa, roupa de festa e uniforme de escola.
Dependendo da família, manos eram irmãos e irmãos eram manos. A dona de casa chamava para a refeição, para a mesa ou para a hora de comer. Quando se falava da moradia, uns diziam “lá em casa”, “na nossa casa”, “entre nós”. Eu poderia citar muitas outras expressões características de certos grupos que hoje a gente chama de tribo. Varia mais ainda a denominação usada para funcionários do lar: criada, doméstica, serviçal, empregada, aquela que trabalha em casa e os mais envergonhados, que se vexam por ter esse tipo de ajuda, as chamam de secretárias.
Na verdade, cada uma das expressões que fui citando se refere não só a tribos, mas também à origem social. Tudo isso a criança já leva para a escola quando chega a seus portões. Lá, ela adquirirá outros referenciais, por exemplo: se ela tiver sido condicionada a não interromper a fala dos outros, vai ser menos difícil a sua adaptação ao coletivo escolar. Na escola, com certeza, ela aprenderá a escutar, a não interromper, a falar na sua vez, a pedir desculpa por quaisquer atropelos. Pela frequência com que se cruzam, os alunos de uma escola têm que ganhar essas sabedorias. Cabe à escola, além de ensinar conteúdos e modos de convívio, também fazer com que as crianças adquiram posturas que favoreçam a aprendizagem e a memorização. Tem hora de distrair, tem hora de criar, tem hora de memorizar e tem hora de assimilar. Exagerando, eu diria que a cada etapa dessas corresponde uma organização muscular e postural.
Desde os tempos de São Tomas, quando as aulas coletivas foram instauradas oficialmente, viu-se que colocar os alunos em fileiras, uns olhando as costas dos outros, evitava distração. Uns atrás dos outros elimina a crítica alheia e cria um vínculo como se fora pessoal com o professor. No século XX, quando a criatividade foi acrescentada ao currículo como aptidão necessária, o estudo em roda pareceu ser o mais adequado. Na roda, são todos com todos. Um ângulo reto entre braço e antebraço permite escrever com mais facilidade e respirar com fluidez. Essa mesma postura também é mais adequada para mesa de refeições.
Temas aparentemente díspares como linguagem, postura e hábitos cotidianos são aprendidos ora em casa, ora na escola. O difícil é estabelecer, exatamente, o que deve ser ensinado onde.
Muito mais eu poderia escrever sobre a interação escola/família, mas fica para outro dia.
Texto publicado na edição de março de 2011 da revista Profissão Mestre.
Anna Verônica Mautner é colunista da revista Profissão Mestre, psicanalista da Sociedade Brasileira de Psicanálise e palestrante. Autora de Cotidiano nas entrelinhas e Crônicas científicas (Ed. Ágora).
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